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A FORÇA DA FLORESTA

LOCALIZAÇÃO

Imersão: Aldeia Yawanawa

 

Onde: Rio Gregório, AC

Ofício: Cosmovisão em missangas

Comunidade: Indígena

O Acre existe. E em toda essa existência como terra e gente, carrega por entre sua floresta e seus povos uma imensurável abundância sociocultural.

São diversas as comunidades tradicionais, dentre elas, etnias indígenas que ocupam aquele espaço desde tempos imemoriais.

Há 12 horas da capital Rio Branco, chegamos em Tarauacá, cidade ribeirinha nas margens do Rio Gregório, meio à selva Amazônica, já quase na divisa Brasil-Peru. Ao longo daquelas águas, percorremos mais um extenso trajeto a barco, passando pelas oito aldeias Yawanawas resistentes hoje no planeta.

Yawanawa significa 'O Povo da Queixada': "assim como o animal, nós andamos sempre em bando", me explicaram. A última parada nos abriu o honroso caminho até a Aldeia Sagrada, terra onde aconteceu, há apenas 100 anos, o ‘primeiro contato’, e hoje é um chão divino para essa etnia - só frequentado para fins cerimoniais e pelos iniciadores espirituais.

 

O CONTATO

O encontro do indígena com o não-indígena marca um momento delicado - e para muitos, inevitável - na história dos nossos povos originários. Mas quando feito por uma lógica colonizadora, a essência e existência de um povo ficam fadadas ao sofrimento e extinção. E no século XIX a realidade do Povo Yawanawa mudava radicalmente.

O primeiro contato se deu por seringalistas, que escravizavam o povo indígena num conflito tão injusto e ganancioso quanto atual, dizendo-se serem donos de suas terras.

Em pouco tempo, chegaram os missionários da Igreja Evangélica – Missão Novas Tribos Brasil. No incabível desejo de evangelização, foram proibidas língua, arte, medicina e cerimônias espirituais. O contato reprimiu a essência de ser Yawanawa: suas expressões e manifestações ancestrais, marcando um genocídio a longo prazo: o fim de toda sabedoria milenar de um povo, na imposição de dogmas cristãos ocidentais.

 

RENASCENDO

Depois de décadas expostos a esse cenário violento, o jovem Bira, por meio da cosmovisão e sensibilidade divina, sentiu que precisava reagir. No início dos anos 80, num ato simbólico, ele queimou as centenas de bíblias lá intrusas, e conquistou liberdade total de seu povo. Bira hoje é o cacique da Aldeia Nova Esperança, nome dado ao espaço que o povo decidiu construir para a retomada de sua história.

Desde então, emplacaram em uma luta pela demarcação de seu território, hoje reconhecido, com 200 mil hectares. O antigo chão onde ocorreu todo conflito se transformou na ‘Aldeia Sagrada’, intitulada pelos Yawanawas como ‘o coração do mundo’. E o é.

Nos anos 2000 a sabedoria Yawanawa deu um grande passo pelo perdão. Jovens e anciãos se uniram para refletir sobre passado e futuro, e como poderiam resgatar uma cultura que estava adormecida depois da censura sofrida. O Festival Yawa começou a tomar forma, abrindo as portas novamente ao homem branco, dessa vez por escolha e com respeito, e compartilhando a força da floresta. Contando sempre com a força das medicinas sagradas, como o “Uni” (Ayahuasca) e o “Humê” (rapé), o festival completa 15 anos como um importante evento de soma entre sociedades.

 

O SAGRADO FEMININO

Sabemos que cada etnia indígena carrega fatores culturais completamente distintos entre si. São povos plurais, e generalizá-los como se “índio” fosse uma única expressão é muito limitante. Porém, há algo que une todos os povos originários: a sua relação com a Terra. O ecossistema, o meio ambiente, a natureza, tem o mesmo significado para todos: MÃE. Eles entendem a Terra como a geradora, a criação, o feminino.

Na história dos Yawanawas, a força dessa natureza feminina floresceu lindamente. Até os anos 2000, no auge de sua retomada cultural, nenhuma mulher na história dos Yawanawas havia tido contato com a espiritualidade.

Putani sentiu um chamado. Entendeu que sua missão era através da espiritualidade, e recorreu aos pajés pelo direito igualitário de se iniciar. Assim foi, e se entregou com amor e dedicação. Hoje ela é figura essencial para a manutenção da ciência tradicional Yawanawa, e tem mentorado outras meninas e mulheres a se iniciarem no mundo dos saberes ancestrais da cosmovisão.

 

JOIA DIVINA

A relação que esse povo tem com a floresta os possibilita uma sensibilidade inacreditável. As mulheres Yawanawas conseguiram transcender sua conexão com o divino para uma produção artística, através do artesanato tradicional indígena. Os Kenes – como são chamados os desenhos formados a partir de suas cosmovisões – representam hoje uma forte manifestação cultural dessa etnia, além de propiciar o desenvolvimento sustentável das famílias como resultado de um empreendimento social que criaram juntas para a comercialização das peças.

As joias Yawanawas são criadas a partir de missangas tecidas, uma a uma, numa complexa trama desenhada. As miçangas são tão contemporâneas quanto antigas. Incorporadas nas principais manifestações estéticas e rituais de vários grupos indígenas, as miçangas foram apropriadas por esses povos desde os primeiros contatos com os viajantes, e vemos que hoje ela retorna para o mundo do branco, na moda e no design. As miçangas tecem caminhos entre mundos e através delas podemos pensar a relação entre as mais diferentes sociedades.

Uma história recente, que foge da triste curva da realidade indígena latino-americana, e que tivemos o privilégio de viver de perto.

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